E se o futuro das crianças fosse ficar trancado em uma sala?

Filme da diretora Jessica Queiroz traz a realidade das escolas publicas no Brasil

No dia 25 de abril aconteceu na Escola de Comunicação e Artes da USP, o EDUCOM.CINEMA. O tema principal do encontro foi a pré-estreia do curta metragem “Número e Série”, da diretora Jessica Queiroz.
Paola Prandini, Claudia Mogadouro e a diretora do curta, Jéssica Queiroz
Baseado no conto do escritor Rodrigo Ciríaco, o curta traz Querô, Baleia, Pedro e Diadorim, alunos de uma escola da periferia de São Paulo, na busca por entrar em uma sala misteriosa, trancada por um cadeado, onde poucos alunos e estudantes pisaram.

Os quatro amigos organizam um plano para invadir a sala e resgatar alguma coisa que está lá, trancada e impedida de sair. No desenrolar da trama, o que se vê na escola é uma alusão ao ambiente carcereiro, cercado de grades e salas trancadas – um lugar cheio de impedimentos e privações.

Durante a chamada feita por um professor no início de uma aula, vê-se também como, muitas vezes, os alunos são tratados: são lembrados por seus números e séries e não por seus nomes. É esse o pensamento que justifica o título do curta-metragem.

Depois de armar o plano e fugirem de suas aulas, os quatro amigos se encontram no corredor que dá acesso à sala que tanto querem entrar e, graças a Pedro, que roubou a chave da diretora, conseguem abrir o cadeado que trancava o lugar. A grande surpresa se dá quando, ao entrarem na sala, vê-se que é a biblioteca da escola.

Diadorim, Pedro, Baleia e Querô se encantam, sendo envolvidos pelo mundo e pelas alternativas que os livros permitem e entram num mundo de sonho, representado por várias animações e desenhos que surgem na tela. Os quatro selecionam alguns livros para levarem mas no momento de sair são flagrados pelo segurança que os persegue e os pune, retirando os livros e lhes dando uma advertência.

A última cena apresentada envolve os quatro amigos e uma professora, que pergunta a eles qual foi o patrimônio público roubado que gerou a advertência e, ao ouvir que foram livros da biblioteca da escola, surpreende-se.  Ao ver que Pedro ainda possui um dos livros, permite que este seja levado pelo menino. O curta termina com os quatro alunos indo embora da escola e deixando a grade que serve como porta de entrada e saída, aberta.

Após a apresentação do curta, Paola Prandini e Claudia Mogadouro, pesquisadoras do NCE, mediaram uma conversa entre o público e a diretora do curta e houve entrega de certificados para aqueles que concluíram os cursos de extensão “Educomunicação na perspectiva do NCE I e II” (2º semestre 2014).

Em relação ao filme, inúmeros assuntos foram abordados, como a infância de Jessica Queiroz, que serviu de inspiração para a criação do filme, o papel da arte, o trabalho com o elenco e críticas a modelos educacionais. A diretora diz que tentou trazer para o filme muito do que viu como estudante negra de escola pública e que através do elenco, tentou trazer à tona crianças negras fortes, que representassem a realidade vivida por ela e que lhe trouxessem orgulho.

A maior maneira de divulgação do curta será o famosa “boca a boca” e é assim que Jessica pretende levá-lo às diferentes escolas e públicos.

O elenco e a equipe de produção também mereceram destaque no debate do CINEMA.EDUCOM: foram escolhidas principalmente pessoas que tivessem contato com a escola pública para que pudessem entender a realidade vivida nesses locais. A diretora também contou que o trabalho com crianças foi um desafio, já que algumas vezes teve que “passar o texto” com os atores mirins e falar com franqueza e clareza sobre preconceito e educação.

Discutiu-se também alguns problemas encontrados em escolas públicas de São Paulo, onde bibliotecas tem seu acesso restrito ou totalmente impedido e tornam-se espaços fechados e desconhecidos, não só pelos alunos, mas também pelos próprios professores. Essa inutilização das bibliotecas pode contribuir para o pouco (ou nenhum) interesse dos alunos pela leitura, levando a uma consequente falta de hábito da ação.

Por fim, com o filme e o enriquecedor debate, fica claro que as bibliotecas são ambientes permissores do contato com diversas línguas, histórias e mundos, que podem se apresentar a aqueles que se permitem e são possibilitados a conhecê-los. Ou seja, privar as pessoas (principalmente as classes mais pobres) do acesso às bibliotecas, significa retirar parte fundamental do desenvolvimento psicossocial de um ser. E não podemos parar por aí…

A arte, no seu âmbito geral, deve ser usada como modo de transformação pessoal e coletiva. Devem ser desenvolvidos nas escolas projetos de teatro, cinema, rádio, entre outros, para que as crianças possam vivenciar as mais distintas e prazerosas experiências e utilizarem no restante de suas vidas, como foi o caso da diretora Jessica.

Fica a esperança por mais “Jessicas” que usem a arte a seu favor e mais “Diadorims”, “Pedros”, “Baleias” e “Querôs” que lutem pelo acesso à arte e à cultura na nossa sociedade!
Texto e foto de Arianne Pissuto, Eric Takiy, Luíza Giordani, Pedro Henrique Esperança, Rafael Hanashiro (alunos de Licenciatura em Educomunicação ECA/USP)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *