A importância do debate de gênero e sexualidade nos espaços educativos

Por Gabriel Razo da Cunha e Juliane Cruz* “Para ser mulher ou até mesmo homem é necessário resistir. Algumas atitudes dentro de sala de aula praticada por educadores fazem toda a diferença na afirmação sexual de nossos jovens. Essa questão poderia ser encontrada eventualmente no acervo do NCE?”. Esse foi o desafio que recebemos para realizar o caça ao tesouro no NCE. O que poderia sair de um assunto tão discutível e polêmico? Então aqui vai os nossos resultados:depois de algum tempo buscando em meio a documentos, revistas e arquivos acadêmicos, encontramos 2 livros que, para nossa surpresa, eram obras que foram produzidas em conjunto. O primeiro “Gênero e Educação” e o segundo “Nem mais, nem menos. Iguais”, ambos produzidos pela Secretaria municipal de Educação em conjunto com a Coordenadoria Especial da Mulher, produzidos em Junho de 2003.
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Livros Gênero e Educação (2003) e Nem mais nem menos: Iguais (2003)


Após a leitura do livro e da cartilha, ficou evidente a tentativa da Secretaria Municipal de Educação de tratar o tema de Gênero e Sexualidade nas escolas, uma vez que se observa um reflexo da sociedade nos alunos. Essa urgência em tratar o tema pode se justificar pelos altos índices de feminicídio ocorridos no país durante o período. Também, esse material nasce em 2003, período que o Brasil adota a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
Esse material é de grande importância para o combate às violências percebidas na sociedade e na própria escola, quando os alunos refletem o que veem e aprendem em casa, na mídia e entre outros meios que elas acessam, reproduzindo cada vez mais a estrutura opressora que perdura na sociedade.
O livro Gênero e Educação(2003) é um material de apoio para educadores e educadoras, uma vez que trata de forma didática e explicativa os problemas estruturais que a sociedade sofre, como elas são reproduzidas pelos mesmos em sala de aula, trazendo soluções para tratar o tema com seus educandos, sugerindo também atividades para serem realizadas na escola. Já a cartilha Nem mais, nem menos. Iguais(2003) é um material de apoio para os alunos, com uma leitura simples e didática, explicativa para os alunos sobre machismo e sexismo, trazendo pequenas atividades de reflexão, propondo debates com a turma, promovendo reflexão sobre o tema.
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Livro Gênero e Educação (2003)
Ao nascer, os seres humanos são apenas corpo, o que é ser homem e o que é ser mulher são construções sociais que criam formas de representação, manifestação e de comportamento social, culturalmente determinadas e historicamente circunscritas esperadas para macho e fêmea (GROSSI, 1998), não são comportamentos naturais decorrentes das diferenças entre sexos biológicos, ou seja, as noções de masculinidade e feminilidade se tratam de uma construção social imposta aos indivíduos à partir das características sexuais biológicas.
Scott (1990 p.4) descreve a ideia de gênero como um “elemento constitutivo das relações sociais fundadas entre as diferenças percebidas entre os sexos e como forma primária de dar significado às relações de poder”, neste sentido, gênero não se trata apenas de um conceito ou um campo de estudos, mas de uma relação de poder.
O conceito de gênero transpõe a sexualidade do campo do natural ao campo social e, uma vez que este está atravessado por relações de poder, a Educomunicação, por enxergar a necessidade de espaços onde as trocas entre os indivíduos sejam feitas de forma horizontal, tem como papel fundamental subverter e emancipar os indivíduos dessas estruturas criadas, de modo a colaborar com a percepção dos indivíduos sobre si mesmos e sobre a sociedade.
Baseado nas lógicas de superiorização e inferiorização dos grupos sociais, o espaço público no Brasil tem se caracterizado como hierarquizado e autoritário (Chaui, 2000), o debate sobre gênero aparece para que seja feita a identificação e crítica dos mecanismos sociais e institucionais de inferiorização da condição social da mulher, enquanto características tidas como masculinas são superiorizadas, fazendo entender como esta capacidade institucional e social de inferiorização está a serviço de garantir a supremacia hegemônica da masculinidade.
É importante que dentro de espaços educativos se desenvolva a crítica ao patriarcalismo e de seus valores normativos acerca da masculinidade e da feminilidade, que foram naturalmente apresentados aos educandos de acordo com suas determinações biológicas dentro da sociedade, fazendo entender que a diferença social entre homens e mulheres não é uma verdade natural, como descreve Judith Butler, “o gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado” (2010, p.25).
Desnaturalizar o gênero, considerando a identidade dos indivíduos como o efeito de um contexto histórico-social de relações de poder, implica na renúncia de qualquer padrão de normalidade, de modo a criar conhecimentos que façam parte de uma estratégia de tomada de poder pelos indivíduos que não se encaixam nos papéis de gênero que lhe foram apresentados.
Diferente do que muitos políticos e religiosos, como Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) disseram sobre materiais que tratam o tema do gênero e sexualidade nas escolas, deturpando o seu real objetivo, que foi desmentida por uma revista especializada em educação, Revista Nova Escola, os dois materiais que tivemos acesso no NCE só tem a acrescentar na formação de cidadãos mais abertos e respeitosos (sendo um dos objetivos também da Educomunicação), promovem um debate mais amplo sobre o assunto, desmistifica e quebra tabus, auxilia no combate ao machismo, misoginia e sexismo e torna os alunos cidadão aptos a viver em harmonia na sociedade.
Capa Revista Nova Escola Nº279 Janeiro de 2015, gera polêmica. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1451/capa-de-nova-escola-sobre-genero-tem-repercussao-recorde
A polêmica da “ideologia de gênero” percorreu as mídias durante os últimos anos. Por diversas vezes, políticos tentaram contra o debate de gênero nas escolas após o ENEM, em 2015, trazer a frase da filósofa Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Tal polêmica fez com que a Câmara dos Vereadores de Campinas realizasse uma moção de repúdio contra a questão do ENEM  que citava a filósofa. Isso fez com que a Câmara realizasse uma discussão sobre a ideologia de gênero nas escolas.
Câmara de Campinas. Discussão sobre ideologia de Gênero nas escolas. Disponível em: https://visualhunt.com/f/photo/31887303084/814a8360e8/


Trazer para o espaço educativo e despertar a consciência tanto para os educandos quanto para os educadores a forma destoante que os homens e as mulheres são tratados na sociedade, desde as pequenas relações de divisão de filas por sexo nas escolas e a pré determinação do que é de menino e o que é de menina até às diferenças salariais, a divisão do trabalho, os papéis sociais impostos, promove um olhar mais crítico para as relações sociais que temos, iniciando uma mudança social com o objetivo de tornar a sociedade mais igualitária. Como graduandos na Licenciatura em Educomunicação, teremos diversas oportunidades de ter contato com crianças e jovens, indivíduos em fase escolar básica. É de extrema importância, quando mais cedo, debater gênero e sexualidade com esses educandos e educadores, uma vez que trazemos conosco o espírito de mudança não só do sistema educacional conservador, mas também da sociedade, da forma com que nossas crianças e jovens são educados e a forma com que nossos educadores ensinam. Como indivíduos da interface da comunicação e educação, exercemos o papel fundamental para a formação também de seres críticos e dialógicos, que respeitem todos os outros indivíduos independente de qualquer aspecto. A produção de conteúdo comunicativo é importante para que possamos levar para o público esse debate, para que possamos despertar um olhar crítico para as produções midiáticas conservadoras e que possamos estar nos postos de produção midiática e levar a população um conteúdo diverso, empoderador, acolhedor e não discriminatório.
*Estudantes do curso de Licenciatura em Educomunicação ECA-USP
A importância do debate de gênero e sexualidade nos espaços educativos

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