Por Lucas Fersa e G. Marina Ferreira* Um relatório de André Glucksmann, filósofo francês, publicado na Revista Communications, em 1966, demonstra a preocupação dos efeitos, sobre os jovens, da violência presente em cenas de filmes desde o início do século XX. O cinema é o início da espetacularização mais abrangente da violência, maior em número de espectadores do que os torneios de lutas com gladiadores na Roma Antiga. Mas o espetáculo viralizou e chegou ao patamar de meme. O YouTube transforma os espectadores em viewers e mantém o status da violência como um grande espetáculo para ser apreciado.
Segundo levantamento de Glucksmann, os dados mais antigos sobre violência no cinema são de 1935. Em uma análise com 155 filmes policiais, eram cometidos 406 crimes. Já em 1951, numa análise de 100 longas-metragens, a quantidade de crimes ou atos de violência era de 659. As preocupações são antigas, mas ainda não terminaram, apenas se deslocaram de mídia, e estão agora com a televisão.
Esse relatório, presente no livro “Linguagem da Cultura de Massas, também faz considerações acerca da culpa da televisão pela violência dos jovens. A figura do jovem está sempre presente nessas pesquisas, pois não se atribui a esse grupo uma capacidade crítica. No senso comum, as mídias estão sempre influenciando os mais fracos.
Mas tantos jovens quanto adultos têm acesso a cenas reais de violência todos os dias em diferentes horários televisivos. A violência está no dia a dia do telespectador, principalmente no final da tarde e começo da noite com os programas policialescos. As maiores audiências do horário quase sempre ficam com o programa Cidade Alerta, da RecordTV, chegando a mais de 10 pontos de audiência. O jornalístico perde apenas para as novelas da Rede Globo. Na Band, emissora concorrente, outro programa policial consegue normalmente mais de 5 pontos todos os dias. Com um conteúdo próximo e tom parecido, o Brasil Urgente coloca no ar matérias como a do espancamento da travesti Dandara. A reportagem com 87 segundos tem 5 inserções da cena gravada pelos assassinos, somando, assim, 48 segundos do tempo total da matéria jornalística.
A violência real ou ficcional inserida nesses meios torna-se um espetáculo. Nesse sentido, se faz necessária a seguinte questão: seria esse processo a causa dos atos de violência na atualidade? Levando em consideração as diversas violências que cercam a todos, é difícil responsabilizar apenas as cenas de violência propagadas pela mídia como causadoras de atos de violência, apesar de ter sua parcela de culpa. A violência na sociedade está atrelada às nuances mais íntimas do nosso cotidiano, se expressando de variadas formas, sendo muitas vezes invisibilizadas e legitimadas. Desta forma, a construção de representações de violência na mídia é apenas um importante fator dentre tantos outros. Não há resposta única para o que provoca a violência.
A reflexão sobre o significado e a magnitude da violência na contemporaneidade é, antes de mais nada, um mergulho no emaranhado das relações que constituem nossa sociedade, esmiuçando o seu significado no que diz respeito ao seu caráter coletivo e individual.
As narrativas violentas e as imagens da violência sempre fizeram parte da história da humanidade, sendo assim uma característica quase que inerente à vida social. Desde os conflitos neandertais até o massacre judeu cristalizado pela história, a violência sempre foi fator essencial na construção das relações do homem como ser social.
Segundo Márcia Aparecida Giuzi Mereuse no artigo Reflexões Sobre a Violência: manifestações na mídia e implicações no universo infanto-juvenil, em seu significado mais banal, a violência aparece relacionada à agressão física, à violação do corpo, aos chutes, tiros e pontapés destinados a outrem. Porém, uma análise mais ampla demonstra que a violência, em contraposição à concepção enraizada na ideia de agressão ao corpo físico, adquire novas concepções, acoplando ao seu significado elementos de caráter psíquico, moral, econômico e cultural. Confira vídeo feito por alunas da Poli USP denunciando violências cotidianas
É fato que vivemos em uma sociedade permeada pelo medo da violência, seja ela física, moral ou psicológica. A fala cotidiana, as afinidades com o espaço e até mesmo as relações subjetivas estão ancoradas no medo de atos violentos. Em tempos de globalização, a ampliação da utilização dos meios de comunicação se constitui em ferramenta para proliferação de cenas de violência.
E o YouTube é esse novo meio de disseminar todo tipo de violência. Em forma de viral, meme, bordão, a violência ganha ares de ainda mais espetacular do que o ficcional. A violência adquire um status que o cinema e a televisão ainda não tinham conseguido dar: humor. Uma briga na porta da escola se transforma em um linha com “Já acabou, Jéssica?”, uma das postagens na rede social tem mais de 3 milhões de visualizações, mas existem várias outras versões em maior ou menor tempo, com paródias ou sem.
Em um outro caso mais recente, o jovem Josias de Farias Júnior, de 19 anos, foi ridicularizado após ser preso por se passar por médico em hospital em Balneário Camboriú, Santa Catarina. A ridicularização se deu porque o jovem havia postado um vídeo no YouTube, em 2016, dizendo que se formou em medicina assistindo a série Grey’s Anatomy. Dias depois, Josias foi encontrado morto e a polícia acredita na hipótese de suicídio.
Esses casos de violência, explícitos ou não, em um site que já tem 82 milhões de usuários no Brasil ganham proporções ainda mais grandiosas juntando-se a outras redes sociais e levantam o questionamento de qual a responsabilidade de todos nessa violência de rir, compartilhar e comentar.
Seja no Imax do cinema, no 4k da TV ou do Youtube, a violência continua sendo uma atração cultural para a sociedade contemporânea. Porém, os que antes eram apenas consumidores, ou até mesmo produtores, hoje, podem ser propagadores. É possível afirmar que as cortinas desse espetáculo estão longe de se fecharem e a era do like pode levar novas luzes à ribalta *Estudantes do curso de Licenciatura em Educomunicação ECA-USP
Do Cinema ao Youtube, a espetacularização da violência se renova