Toda última sexta-feira de cada mês, o NCE apresentará educadores e profissionais que fazem Educomunicação, a fim de trazer a respeito de suas trajetórias, atuações e pensamentos no que diz as interfaces da comunicação e educação, fazendo relações com temas atuais. Neste mês, a professora convidada e entrevistada é Cláudia Lago.
Cláudia Lago é graduada em Jornalismo, pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Foi líder do Comitê de Pesquisa e Desenvolvimento da Escola de Comunicação e Educação e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Educação.
Ela também foi diretora administrativa da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (2006-2009) e é membro do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo (UFRGS/CNPq). É vice-chair da Journalism Research and Education (JRE) of IAMCR e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) gestão 2013-15 e 2015-17. Desenvolve pesquisa na área de Comunicação tendo como foco a construção da Alteridade, especialmente de Gênero, em narrativas não ficcionais, e pesquisa e extensão em Educomunicação, relacionadas também ao estudo da Alteridade. Além de ser diretora da Comissão de Direitos Humanos da ECA-USP.
Durante a entrevista, as perguntas seguiram a lógica sobre Jornalismo, Educomunicação, projetos educomunicativos, os temas de gênero e direitos humanos para entender as opiniões e atuações da professora, em principal, no campo da Educomunicação.
NCE: Como foi o seu trajeto do Jornalismo para Educomunicação?
Claudia Lago: “Na verdade, eu já fazia doutorado aqui na ECA em Ciências da Comunicação e já tinha feito mestrado em Antropologia. Então, eu já tinha saído do Jornalismo fazia algum tempo. No doutorado, na ECA, eu fazia algumas disciplinas em que eu conheci pessoas que trabalhavam na Educomunicação. Até que me convidaram para trabalhar e eu comecei a trabalhar a trabalhar com elas, com a Patrícia Horta, Richard Romancini.. há muito tempo.”
Você também fez parte do projeto Educom.rádio, quais são seus pontos positivos e negativos a respeito dele?
“Eu acho que o projeto tem milhares de pontos positivos, né? Foi o maior projeto que a gente fez. Foi um projeto que construiu um conhecimento da Educomunicação na rede pública de São Paulo, municipal, que até hoje existe projeto educom nas escolas públicas. Ele foi base para criar a lei Educom e também para criar leis em vários municípios. Também colaborou para vários projetos. Do ponto de vista da expansão da Educomunicação e da sedimentação do campo, ele foi essencial. Pontos negativos, eu não sei se a gente pode colocar como negativos. Mas sempre foi muito difícil a negociação com o Poder Público como continua sendo até hoje, era muito difícil articular um projeto com tanta gente envolvida. Sempre foi bem difícil”.
Qual foi o caminho percorrido até chegar nos estudos sobre gênero? E quais as contribuições desses estudos para o Jornalismo e a Educomunicação?
“Então, a questão dos estudos de gênero pra mim foi uma coisa meio que.. quando eu entrei na ECA em 2015, eu pude me dedicar a pesquisa, porque até então, dava aula em universidade privada. Na universidade privada, por mais que a gente batalhe para pesquisar e eu sempre tive uma carreira pesquisando, eu trabalhei muito tempo na associação brasileira do pesquisadores de Jornalismo, até pouco tempo, eu era presidente, enfim. Eu sempre tive uma carreira muito envolvida com a pesquisa, mas isso foi por pura teimosia, né? Porque o trabalho prático na universidade privada te impede, muitas vezes, desse tipo de disposição, não concretiza. Mas eu sou filha de uma feminista e quando você é filha de feminista, você não tem muita alternativa, a não ser pensar na questão de gênero no cotidiano, eu sempre pensei e observei. Quando entrei na ECA eu falei “bom, agora eu vou poder me dedicar mais a esse tipo de pesquisa mais sistemática”. Eu acho que a discussão feminista e de gênero, sempre me acompanhou, independente de fazer pesquisa sobre. Porque o que eu digo é o seguinte: “tanto gênero quanto uma outra questão que está muito ligada ao gênero, interseccionalidade, por exemplo, enfim, todas essas questões não são simplesmente objetos, elas são formas de ver o mundo, são paradigmas e dialogam muito com uma série de princípios educomunicativos e que não sei se dialogam com o Jornalismo, mas elas têm que ser pensadas no campo do Jornalismo.” Então, na verdade, o que eu venho fazendo hoje em dia, é sistematizar um certo tipo de olhar que eu sempre tive com relação às pesquisas.”
Considerando que você é presidente da comissão de direitos humanos da ECA, como você explicaria para uma pessoa comum, um cidadão brasileiro, a importância dos direitos humanos para a sociedade e para o indivíduo?
“Difícil, né? Porque a maioria dos cidadãos comum brasileiro não está muito disposto, porque a construção da ideia de direitos humanos foi feita de uma ideia muito complicada no Brasil. Quando você começou com a ideia de direitos humanos, foi no momento… quer dizer.. não que tenha começado no momento, mas quando você teve uma consolidação dessa discussão, foi um momento em que a gente ainda tava na ditadura. Muitos dos defensores dos direitos humanos que se colocaram a partir dessa lógica, trabalharam em prisões, presídios, denunciando a barbaridade que é o sistema prisional brasileiro, né? E é isso que foi muito sequestrado por comunicadores populares da época, especialmente, e virou aquela coisa de que: “direitos para humanos!”, “para humanos direitos!”, “direitos para quem não é bandido”. Enfim, ou seja, é uma completa incompreensão do que a gente está falando. É muito interessante, porque tem gente, nessa discussão de direitos humanos recentemente, vinha muita gente dizendo: “por que as pessoas abrem mão dos direitos pela segurança, pelo trabalho”… tá, isso são direitos humanos. A segurança é um direito humano. Então, as pessoas não sabem nem o que estão falando e distorcem o que estão falando. Mas é muito difícil fazer essa conversa. Eu começaria tentando explicar que existem certos direitos que são amplos e que eles devem ser fornecidos a todos. Esses direitos estão na base da convivência social em uma sociedade minimamente civilizada e tentar mostrar o que são esses direitos. Porque as pessoas que falam que o que direitos humanos não são, elas não tem ideia do que elas estão falando. Então, contar um pouco dessa história, mostrar quando essa história surgiu, que os direitos não são parados no tempo, eles estão tendo uma série de transformações. Eles vão se agregando aos outros direitos que não existiam no começo. Mostrar também que toda essa discussão dos direitos humanos está muito relacionada com uma discussão dos próprios movimentos e dos grupos sociais, exigindo ampliação destes direitos, etc. É uma discussão muito difícil de ser feita no Brasil por conta dessas incompreensões e também, porque é um país em que há uma ausência completa de disseminação de direitos. Por isso, as pessoas tendem a operar nessa lógica de “se eu estou dando o direito para um determinado grupo social, estou tirando de outro”. Quando na verdade, ao trabalhar com direitos humanos, a gente está falando em ampliar os direitos para todo mundo, não é tirar de ninguém. Só que é sempre essa lógica que entra na cabeça das pessoas. Porque vivemos em um país muito desigual, em que as pessoas têm essa distribuição da sensação de direitos desiguais, então cria esse complicador para fazer a discussão, mas temos que fazer e tentar. A minha resposta direta seria: “depende da pessoa, do momento.” Também não acho que a gente consegue convencer as pessoas de cara, não. A gente tem que conversar com as pessoas para também tentar desmontar um pouco essas incompreensões. Esse é o nosso papel”.
Para saber mais:
Comissão de Direitos Humanos da ECA