Toda última sexta-feira de cada mês, o NCE apresentará educadores e profissionais que fazem Educomunicação, a fim de trazer a respeito de suas trajetórias, atuações e pensamentos no que diz às interfaces da comunicação e educação, fazendo relações com temas atuais. Neste mês de abril, o professor convidado e entrevistado é Carlos Lima.
Carlos Lima é professor de Língua Inglesa, radialista e especialista em Educomunicação pela ECA/USP, atualmente coordena o Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Atuou como conselheiro municipal de Ciência Tecnologia e Inovação da cidade de São Paulo. É o idealizador do projeto Imprensa Jovem que hoje é desenvolvido em 300 escolas.
Ao decorrer do bate-papo, as perguntas foram relacionadas com a trajetória de Carlos, fazendo conexão com a Educomunicação e projetos educomunicativos. Todos os temas vieram na intenção de entender as opiniões do professor, em principal, sobre as interfaces existentes entre educação e comunicação.
NCE: Você como professor de inglês e radialista sabe que há a possibilidade de relações dessas áreas com a Educomunicação. Como você acha que essas áreas podem colaborar para práticas educomunicativas?
Carlos Lima: “As letras, vamos dizer assim, e vem aí, a língua portuguesa, a inglesa, que é na verdade minha formação, eu sou professor da área de Letras, mas me especializei na área de língua inglesa. Penso eu que a gente tem todas as condições para transformar essas aulas de comunicação em uma possibilidade de a gente poder melhorar as aprendizagens dos alunos sobretudo na questão da competência leitora, escritora e oral. Porque parece que não, mas a competência oral é muito importante, que é onde você tem aquela expressão que a gente consegue ouvir e a escuta é importante. Então, quando a gente pode desenvolver linguagens diversas para você chegar a produção da escrita, a promoção do estudante para que ele possa pesquisar, ler e que em alguns momentos eles possam de alguma forma expressar comunicativamente, falar de fato. Eu acho que a Educomunicação tem tudo a ver com língua portuguesa e inglesa. Aliás, eu penso que, por exemplo, quando a gente fala do ensino médio, como é que eu enxergo tão bem a Educomunicação, trabalhando essas áreas das humanas, sobretudo, as áreas de linguagem. Então, eu acho muito importante dizer que a Educomunicação tem tudo a ver com língua portuguesa, inglesa ou qualquer outra língua.”
Como surgiu o Imprensa Jovem e como você vê a evolução do projeto do início até os dias de hoje?
“Quero começar de trás pra frente. Se a gente hoje é uma potência de comunicação na rede municipal, “porque é uma potência nas escolas dos diversos bairros da cidade de São Paulo (escolas públicas)?”. Porque a gente proporciona e vai proporcionar um espaço de voz dos estudantes e discuta. Porque não é você só dar espaço de voz, você pode falar pro aluno ter um projeto de comunicação e colocar em um canto onde ninguém vai ouvi-lo. Mas o espaço de escuta e essa escuta é daquelas potentes, os alunos e as alunas vão usar as comunicações da própria escola para poder se comunicar com todo seu território. Então tem que oferecer a eles o espaço de comunicação institucional, os espaços de comunicação criados por eles. Quando a gente hoje tem mais de 250 equipes de Imprensa Jovem e se a gente somar, 20 estudantes cada um, olha a quantidade de alunos e alunas repórteres nós temos. A gente vê que hoje é a maior rede de comunicação social do país. Nenhum canal de TV nem de rádio tem tanta gente fazendo comunicação. Só que não é aquela comunicação que a gente tem da rádio e da TV, daquilo que a gente vê. É uma comunicação feita com uma coisa de “vamos melhorar o diálogo da escola” e sendo hoje, uma das propostas de inovações reconhecidas pelo MIT, né, mais importante do país, a gente volta ao passado para dizer que as nossas origens no Imprensa Jovem não foi criada pelo Carlos Lima e nem pela secretaria municipal de educação, ela nasce do desejo de estudantes que participaram do projeto Educom.rádio e que tinha uma rádio escola sendo desenvolvida na sua unidade. Esses estudantes conversavam com os alunos e alunas, seus amigos, suas amigas, no intervalo, e um dia, em uma reunião de pauta disseram: “professor, será que a gente não poderia fazer pautas que a gente pudesse integrar o que acontece na comunidade dentro dos nossos programas de rádio?”. Melhor: “será que a gente não poderia trazer a comunidade para dentro do rádio e eles pudessem contar um pouco o que é o território?”. Ali não tinha Imprensa Jovem ainda como título, mas aí a gente já tinha o embrião do Imprensa Jovem. A palavra “Imprensa Jovem” nasce de um evento que a gente fez que foi um encontro municipal de educação, né, onde reuniu toda rede municipal de ensino. E sem querer apareceu um menino e disse: “isso parece Imprensa Jovem”. Isso pareceu tão sonoro que eu falei “a gente poderia dar esse nome a essa ação”, que era uma ação da rádio escolar. Imprensa Jovem. E pegou. Quer dizer, foi uma construção com um DNA da criança e do adolescente estudante da rede pública. Isso eu fico muito feliz de dizer que eu não criei absolutamente nada. O que eu fiz foi, na verdade, abrir caminhos para que essa construção pudesse ser feita cada vez mais pelo coletivo de estudantes e de professores que foram aperfeiçoando essa ferramenta que eu creio que já não é mais um só programa, já é um programa na cidade. Mas é uma tecnologia. Uma tecnologia social de impulsão da voz, do diálogo, livre e democrático na escola pública.”
De que forma se deu o Núcleo de Educomunicação na Secretaria Municipal de Educação de SP? Fale um pouco sobre como é ser coordenador do núcleo.
“Gente, quem lidera uma política pública e aí nesse ponto, eu acho que to muito imerso nessa coisa de liderar alguma política pública. Tem a frente um desafio de você segurar o bastão e atravessar as diversas etapas e etapas diferentes que seriam gestões diferentes. A Educomunicação inicia com uma proposta que tinha um viés de governo e hoje tem uma proposta de governo totalmente diferente. Mas embora você tenha viés diferentes de ambos os lados, a Educomunicação foi algo que permaneceu. Então, 18 anos da proposta de Educomunicação na rede pública, a gente viu muito conflito, muita desconfiança pedagógica, viu também muito cerceamento de garantir o espaço pra desenvolver o projeto. Mas também viu nessas dificuldades os lobos, aqueles caras e aquelas minas que eu chamo de professor e professora, super empenhados de desenvolver a Educomunicação de qualquer maneira e até em algum momento. Em 2009, a gente até fazia isso sem ganhar absolutamente nada. Mas fazia pelo coração, pela vontade de colocar o estudante no holofote dentro do espaço da escola que era colocar ele para se comunicar para poder fazer acontecer. Então, a proposta foi atravessando gestões, né, foram quatro prefeitos e uns 12 secretários de educação. Não sei quantos mais diretores de áreas pedagógicas que é onde tava alçado o projeto, a proposta de Educomunicação. Nessas diferenças, a gente foi aprendendo e se aperfeiçoando, então, eu imagino que a Educomunicação existe hoje como o primeiro setor de Educomunicação do país, né, resistente, forte que tá super de olho, antenado, de olho em todas as novas propostas que estão por aí. Eu acho que o que houve na verdade é esse aprendizado de passar por essas dificuldades que a gente teve e muitas vezes, o investimento também não acompanhou, mas a gente conseguiu captar espaços de parceria para poder nos sustentar. É justamente a ideia de que uma política pública seja educomunicação, seja quem for, tem que envergar como um bambu para não quebrar. Então, a nossa proposta pode sim ser desenvolvida em qualquer circunstância e deve se desenvolver em qualquer circunstância de governo, de esquerda, direita, de centro, de cima, de baixo, qualquer um. E ela precisa sim se articular porque ela é uma política pública. Ela já está no dia a dia das pessoas. Então, eu imagino que esses novos momentos e cenários, a gente não abdica dos conceitos básicos, das premissas da Educomunicação, tanto que o único programa que ele vem trazendo toda a premissa da Educomunicação. Todas elas estão aqui hoje. Começou em 2001, mesmo com uma tecnologia analógica, onde trabalha com a tecnologia de ponta digital, tem viés para dialogar inclusive com outras linguagens que não seja da comunicação, área de robótica, a gente enxerga muitas vezes que a gente pode ter alguma interface, em alguma coisa. Outras áreas estão imaginando “essa coisa da Educomunicação é pra melhorar relação humana, né?”, aí eu falei: “é, pra promover cultura de encontro sim”. Então, isso serve pra você também. “Qualquer pessoa, qualquer área, né?” Então, eu imagino que a gente precisa sim respeitar o momento. Porque é o momento e a gente sair junto. Eu acho que o núcleo de Educomunicação é uma grande novidade e conquista para um programa que trabalha com a ideia de diálogo freiriano e que ela se sustenta graças ao movimento dos territórios, impulsionado pelos estudantes e os professores. E isso também é importante destacar que nenhuma política pública de educação se sustenta sem informação continuada. E é nesse ponto que eu acho que a gente ganha, que a gente promove a formação continuada da rede todos os anos e isso vai ganhando mais gente nos territórios.”
4) Que novos espaços você vê hoje para Educomunicação na nossa sociedade?
“Eu acho que já há alguns espaços que eles já demandam bastante da Educomunicação, a própria educação, por exemplo, demanda. E eu não entendo até hoje porque que a comunicação não se aproxima da educação, digo isso nas instituições que enxergo aqui nesse espaço chamado Universidade de São Paulo. É muito difícil esse diálogo. Eu vejo e parece água e óleo. Em algum momento, as coisas, os dois vão ter que se chacoalhar. Porque na ponta, no real, no dia a dia, quando a Educomunicação se perfaz em uma aula ou em um projeto, os dois estão ali, juntinhos. A questão dos Direitos Humanos, da saúde, do meio ambiente. A questão ligado às tecnologias, eu acho que é muito importante destacar que nós sim, podemos estar e dialogar muito com as tecnologias, guardando toda essa condição e não ser tecnologia. Mas de poder fazer uso da tecnologia, de poder explorar, de fazer a leitura dela, para fazer a leitura dela também é importante. E criar coisas. Criar ideias com as tecnologias.”
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