Todos os meses, o NCE vai trazer educadores e profissionais da Educomunicação para contar experiências, trajetórias e atuações na área de interface entre comunicação e educação. No mês de junho, a convidada é Maria Rehder.
Jornalista e vice-presidente da Associação Brasileira dos Profissionais e Pesquisadores em Educomunicação (ABPEducom), Maria participou de trabalhos de cooperação internacional no Timor-Leste, Quênia, Botsuana e Guiné-Bissau, onde atuou como voluntária da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ao longo do bate-papo, as perguntas foram relacionadas com a trajetória de Maria, suas produções acadêmicas e seu trabalho de estudo da relação entre os Direitos Humanos e a Educomunicação.
NCE: Você defendeu sua tese sobre a Educomunicação e o direito da criança. Fale um pouco sobre sua tese e nos conte como você vê essa questão no Brasil nos dias atuais.
Maria Rehder: “Eu morei por 18 meses na Guiné-Bissau, trabalhei na ONU e já estudava há um tempo a Educomunicação. Para a minha surpresa, eu encontrei a Rede de Jovens Jornalistas da Guiné-Bissau que já tinha uma organização e atividades e criada justamente para difundir os direitos da criança no país pela Educomunicação.
No caso, desde 2006, eles criaram um programa de rádio em uma rádio comercial e se tornaram um dos programas mais ouvidos do país. Quando eu cheguei lá, foi uma experiência maravilhosa, porque mais do que eu fazer o intercâmbio com o Brasil, uma formação, eu fui formada e criamos pontes do fazer educomunicativo na Guiné-Bissau com o Brasil e até outros países.
Sobre os Direitos Humanos, o questionamento da minha tese foi justamente o que eu vivi naquele país que passa por muitas dificuldades, com um dos IDH (índice de Desenvolvimento Humano) mais baixos do mundo e com instabilidade política.
Então, pensando nisso, fui investigar academicamente, com influência do artigo 12 do Direitos da Criança, se a Educomunicação pode influenciar na garantia desses Direitos. Eu, como pesquisadora, pensei, claro que é, já pensando na resposta. O arcabouço teórico foi Paulo Freire, Ismar de Oliveira Soares e outras referências internacionais também.
E ao investigar tudo isso e com o passar dos estudos acadêmicos que eu desenvolvi, que sim, mas com ressalva. Não é garantia que a Educomunicação vai garantir a efetivação do artigo 12 que é o direito à participação, ativação na sociedade quando você tem o toque de recolher, quando a liberdade é privada, as crianças não podem sair de suas casas e com isso, não há Educomunicação que resista em um ambiente como esse.
Vendo esses estudos, eu pude ver a fragilidade da garantia de direitos que se vive na Guiné-Bissau. A Educomunicação é sim um caminho para a garantia desse direito, mas desde que sim, haja outros sentidos e que ela esteja no currículo escolar, por exemplo, que ela faça parte da formação dos professores, que as crianças tenham liberdade e sejam motivadas a participar desse processo de comunicação. Todo esse processo de pesquisa foi guiado pelo relato de uma criança guineense. E foi assim que mesmo a distância, eu cheguei nesse resultado.
Sobre o Brasil, eu não achei que eu fosse viver coisas que eu vivi na África aqui, é estranho depois do impeachment da ex-presidente Dilma, com reforma do Ensino Médio, cortes na Educação. Quando se tem um golpe de Estado ou uma instabilidade política se corta da Educação e é aí que se vê os problemas ao direito à Educação, à liberdade de expressão.
Então, a gente vive uma fragilidade democrática com mudança de presidentes, o que tem complicado na garantia dos Direitos Humanos, mas claro, cada país no seu contexto e na sua cultura. A Educomunicação também surge como um movimento de resistência nas brechas. Ela não garante, em si, um direito humano, mas ela é um caminho realizador para que eles aconteçam.”
O Brasil passa por uma situação difícil no que diz à percepção sobre os Direitos Humanos. O que você acha que colaborou para os pensamentos que distorcem, de modo negativo, esses direitos?
“Faltou educação para os Direitos Humanos. Ela é um direito que tem que ser assegurado e estar no currículo. Lá no começo, na educação básica e infantil, é importante já mostrar convenções, tratados e direitos para que as pessoas se conscientizem que os Direitos Humanos são todos os direitos, os sociais, culturais, como a Educação, a Saúde. As pessoas já estariam familiarizadas com essa linguagem, que é tão óbvia para nós que estudamos a área, mas que para a grande massa houve uma distorção intencional.
Também falo sobre a importância da Educomunicação para os estudos de todos os Direitos Humanos, ela é fundamental para todos os direitos, como a saúde, por exemplo. Se a pessoa não muda um comportamento, ela pode prejudicar a sua saúde. Acho que o que falhou foi nós não termos no currículo uma educação sólida para os Direitos Humanos que permite o cidadão ser crítico e que mesmo que houvesse um movimento contrário a isso, entender. E o papel dos meios de comunicação manipulados, a falta de senso crítico, prejudica esse entendimento também.”
Como você acredita que a Educomunicação, seja dentro ou fora da sala de aula, pode lidar com o não conhecimento ou a distorção dos Direitos Humanos?
“É a educação para os Direitos Humanos. Graças a um trabalho do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), da ABPEducom e do Instituto Paulo Freire, a gente conseguiu ter um plano estadual de Educação para os Direitos Humanos em São Paulo.
Dentro da sala de aula, a gente precisa ter um currículo que contemple isso, a gente já tem experiências positivas. O currículo da cidade já traz perspectivas de aprendizado dos ODS’s, os Objetivos Sustentáveis da ONU, que tem o seu pilar os Direitos Humanos, com alinhamento de gênero e outros direitos.
Além disso, a presença da Educomunicação também traz uma sala de aula participativa, um ecossistema educomunicativo, com a voz ou o silêncio sendo respeitado, e na sala de aula esse é o caminho. Os estudantes secundaristas, em ocupação, ecoaram esse comportamento e criaram um modelo de gestão. E para fora da sala de aula, os órgãos de imprensa também terem um estudo sobre Direitos Humanos, pastas do Governo, a Polícia, e muitos outros meios trazendo a educação para os Direitos Humanos. Só esse movimento integrado pode reverter essa situação e trazer dentro e fora da sala de aula essa questão.”
Sabemos a importância do ativismo para trabalhar e debater as questões dos direitos sociais. Quais transformações você percebe no ativismo atual?
“A gente tem com a ditadura grandes referências, mas muita coisa mudou, o ativismo na forma de lutar pelos direitos. Mas vou citar os estudantes secundaristas em ocupação que de forma pioneira mostraram para a velha guarda, que existem outras formas de se manifestar e falar o que é uma educação libertadora.
Escrevi um artigo com a aluna Leticia Carin falando disso, como a Educomunicação estar ai, com a força desse ativismo nasce o novo. Eu não sei como isso vai acontecer, mas o sujeito de direito vai fazer esse ativismo. Outro exemplo é o movimento trans, que eu não posso falar por eles e elas, mas é um movimento que traz a sua pauta, principalmente na área da saúde.
Acho que a Educomunicação pode ajudar a trazer esses ativismos transformadores, que tem esses elementos. São épocas diferentes e muitas coisas novas que substituem o velho ativismo.”