A dissertação de mestrado, apresentada recentemente ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo, discorre sobre a alta incidência do trabalho com fotografia nas práticas pedagógicas da Educação Infantil da Rede Municipal de Educação de São Paulo.
Em 2018, Michele Marques Pereira, então especialista em Educomunicação e colaboradora do NCE, ingressou no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo, com o objetivo de desenvolver uma pesquisa que investigasse a relação entre desenhos animados e primeira infância, tema esse que já vinha investigando a certo tempo e que se tornou capítulo do livro, Cultura infantojuvenil na perspectiva da Educomunicação, do qual é co-organizadora. Contudo, um acontecimento em especial viria a mudar o rumo do estudo. Naquele mesmo ano, a mestranda fora selecionada pelo Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP) para atuar na formação de professores, nos temas de fotografia e produção audiovisual. Na função, Michele pôde observar uma característica marcante: a grande maioria dos cursistas no curso de fotografia ofertado pelo Núcleo de Educomunicação da SME-SP, era composta por professoras da Educação Infantil.
Tendo tal fenômeno chamado sua atenção, a pesquisadora decidiu compartilhar o contexto observado com seu orientador, o Prof. Dr Ismar de Oliveira Soares, e ambos chegaram à conclusão de que seria proveitoso que a tese de mestrado a ser desenvolvida por Michele discorresse sobre a relação entre Fotografia, Educomunicação e Educação Infantil.
Com o objetivo de explorar a conjuntura apresentada, foram realizadas duas pesquisas de campo, uma pesquisa de Levantamento Exploratório e uma pesquisa-ação de campo em uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) de São Paulo. No decorrer da pesquisa exploratória, realizada com cursistas da formação em fotografia, ministrada pela pesquisadora por meio do Núcleo de Educomunicação, além da alta incidência do trabalho com fotografia nas práticas cotidianas das professoras e professores de Educação Infantil, outro ponto chamou a atenção: Por uma série de questões, como a falta de câmeras fotográficas como equipamentos pedagógicos nas salas de aula, não constava nos relatos das professoras que haviam sido questionadas, uma efetiva atuação das crianças enquanto autoras dos registros fotográficos, de forma a trazer para as documentações pedagógicas suas perspectivas. Tal fato justificou a importância da realização de uma pesquisa-ação para investigar a produção fotográfica no cotidiano das crianças da Educação Infantil, que tem entre três e seis anos, ou seja, a mestranda tinha o objetivo de analisar como seria a realização de uma documentação pedagógica que partisse do olhar das próprias crianças.
A pesquisa-ação, em conformidade com os princípios epistemológicos da Educomunicação, contou com uma efetiva participação do conjunto pedagógico de uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) de São Paulo, essa que, para ser mantida em anonimato, é chamada ao longo da pesquisa como EMEI Jardim das Flores. “Optei por trabalhar com a metodologia de pesquisa-ação, que observei ser a que mais conversava com a Educomunicação, por trazer a participação efetiva dos diversos envolvidos naquele ecossistema educativo”, relatou Michele Pereira, em depoimento ao site do NCE.
Para o seguimento da pesquisa, então, foi proposta às crianças da EMEI a realização de uma semana fotográfica, na qual as 240 crianças da unidade de ensino foram convidadas a fotografar sua escola, com o objetivo de apresentar o ambiente para outras crianças que viriam a estudar ali futuramente. Posteriormente, foi realizado um processo de escuta, no qual a mestranda e os professores da EMEI indagavam os fatores que motivaram as crianças a realizarem as fotografias. Em uma série de etapas, o processo contou com uma alta adesão das crianças que, inclusive, puderam socializar o trabalho que fizeram em diferentes momentos, tanto com as crianças de um centro de educação infantil (CEI) vizinho à EMEI, que tinham entre dois e três anos na época, como em uma exposição atrelada à mostra cultural da escola, na qual as crianças elegeram democraticamente as fotografias que seriam expostas para suas famílias e comunidade, exibindo suas perspectivas e comentando sobre suas produções.
De modo geral, a pesquisa de Michele Marques Pereira evidenciou que, como consta no resumo da dissertação, “a fotografia, quando realizada pelas crianças do ensino infantil, a partir de suas próprias perspectivas, trazia revelações singulares, revelando mobilizações que amplificavam a comunicação no ecossistema educativo, provocando, até mesmo, reflexões dos gestores educacionais e professores, contribuindo para o encaminhamento de transformações pedagógicas e estruturais na unidade escolar.” Para a pesquisadora, ainda, a fotografia enquanto meio de expressão comunicativa e exercício de observação, tem um potencial significativo de promover uma imprescindível participação das crianças da educação infantil no interior de seus próprios processos socioculturais de aprendizagem, pesquisas e vivências. Bebês e crianças que são tão invisibilizadas socialmente.
Por fim, Michele também destacou, em depoimento, a relevância da aproximação da prática educomunicativa ao universo da pré-escola, o que não é comum: “A pesquisa trouxe questões inéditas, que ainda não haviam sido observadas e nem reveladas, tanto para o campo da comunicação quanto para o campo da educação, e especialmente para o campo da Educomunicação. A pesquisa ocorreu no contexto de celebração dos 20 anos da implementação da prática educomunicativa na rede de ensino da secretaria municipal de educação de São Paulo, trazendo o diferencial da atenção para o universo da educação infantil, que não tinha sido privilegiado no início do processo do (projeto) ‘Nas ondas do Rádio’, de 2001 a 2004, que foi a grande iniciativa que levou a Educomunicação para a educação pública do município de São Paulo. Então (a pesquisa) traz uma reflexão sistemática sobre as possibilidades de ampliar a Educomunicação para todas as fases do processo educativo formal.”
A dissertação de mestrado, defendida remotamente por Michele em setembro de 2021, foi aprovada com louvor pela comissão julgadora, essa que, inclusive, indicou a publicação da pesquisa em artigos, revistas científicas e livro, assim como a recomendou para a participação em premiações de entidades da área.
Trabalho muito importante para a área da Educação. Sempre acreditei no protagonismo dos educandos como caminho para a aprendizagem verdadeiramente efetiva. Também para a socialização dos alunos e para a sua autoestima . Só tenho a desejar que as autoridades políticas educacionais incentivem práticas como essas e outras em favor do futuro emocional, profissional, realização pessoal de cada um deles… Parabéns por sua iniciativa, Michele Marques!
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